sexta-feira, 7 de maio de 2010

Antibiótico Importado

“Ahn... Então... Você já está indo pra lá? É, acho que não vai dar pra ir. Ainda estou no trabalho. Está chovendo. Moro longe. Meu gato está sozinho, com medo da casa nova. E deve estar com frio. Ainda tenho que tirar a roupa da máquina. Eu estava louco pra te ver, mas acho que não vai dar. E o Mário ligou, disse que lá perto da sua casa está tudo alagado.”

“Alagadooooo”??? Como assim? Sei bem o quanto o último argumento soou como “desculpa esfarrapada”. E foi exatamente por isso que resolvi me render a ele. Fingi que acreditei. Sem mais perguntas. Já se gabava o meu pai: “Que menina diplomática!”. Não ia ficar discutindo o porquê da preguiça em me encontrar, não é? Preguiça não se explica. Moro no mesmo lugar há quatro anos. A única vez que aquilo alagou foi há uns dois meses, numa encenação do dilúvio. Algo sem precedentes. O Rio desabou em água. Só comparada àquela chuvinha encomendada por Noé. Lembra? O danado estava louco pra estrear o iate novo. Dizem que tinha até zoológico lá dentro. Aí chamou a família toda, ensaiou uns passinhos de lambaeróbica e “cabum!”. Fez-se a tempestade. Foi a primeira dança da chuva de que se tem registro. Durou uns 40 dias e 40 noites.

Mas voltando ao bolo, digo, ao assunto... Cheguei em casa uns 20 minutos depois de informada do alagamento. E, para a minha surpresa, nem precisei nadar do wolksvagen azul de 48 lugares que me trouxe, até o portão do meu prédio. Pasmem. Chovia. Mas era só. Foi então que resolvi colocar em prática uma vingança secreta. Será que podemos chamar de vingança, se o alvo nem ficaria sabendo? Ah, não importa. Na verdade era só para eu me sentir melhor. Algo do tipo “não desperdicemos a noite e muito menos sua auto-estima”. Saquei o celular da bolsa. Numa velocidade de duas polissílabas por segundo, resolvi minha vida: “Can you meet me?”. Não, não havia polissílabas na frase (existem polissílabas no inglês?).

Em 40 minutos ele estava lá, assistindo ao jogo do Flamengo comigo. Cheiroso, disponível, com meu presentinho de aniversário na mão (é... completei 21 anos estes dias) e achando lindas todas as minhas caretas de “tira essa bola daííííí, seu imbecil!”. Pronto pra me roubar deste país dos bolos. Isso sem mencionar a aula de inglês free. Arrisco-me a dizer que nem uma amnésia alcoólica seria assim, tão eficiente. Se vingança pessoal tem nome, atende por Mike. E foi um ótimo antibiótico para minha dor de corno.

“Quero que você conheça meu gato. Vem amanhã. Saio às 20h do trabalho.” Não, eu não acreditei neste papo. Óbvio que eu sabia que não era pra conhecer gato nenhum. Mas nós, mulheres, também temos necessidades (chocado? Pois é, temos. O joguinho do “não dou” é parte do floreio.). Marquei. No meio da tarde do “amanhã”, recebo um torpedinho suspeito. “Quando você vem?”. Inocente, respondo: “Hoje. Vai estar lá às 20h?”. Eis que recebo o míssil-surpresa. “Estou trabalhando. Mas verei se posso sair mais cedo”.

Você deve estar se perguntando: “E você ainda ficou surpresa, sua bucha ingênua?”. É, confesso que não fiquei surpresa não. Decepcionada é a palavra. Pensei um pouco e cogitei: “Ele só pode estar brincando. Deve ser um enviado da Monique para testar meu ascendente em gêmeos, meu lado frio e exclusivamente carnal. Aquela viciada em horóscopos! Ou um subordinado do Capeta, para que eu pague todos os pecados que cometi com meu ex”. Agora um desabafo: torço pela primeira opção. Se for castigo, pressinto bolos nas próximas 73 encarnações.

Desta vez eu não tinha Mike, nem jogo do Flamengo, nem presentinho. Meu antibiótico já tinha regressado pra terra do Tio Sam. Neste dia fui à aula, toda resignada. Mais tarde o telefone toca. “Consegui sair mais cedo. Vem?”. Calma. Até bucha necessitada tem limites. “Ah, tenho que ir pra casa estudar”. Que orgulho de mim mesma! Fim da aula. Corri pra casa. Liguei o computador numa carente ansiedade. Não, não entrei no bate papo da UOL. Não desta vez. Foi um e-mail, mesmo: “Mike! Are you there? Miss you.” Pensei até em acrescentar um tempero à vingança. Chamar pelo apelido do outro é malvado, né? Seria perfeito! Mas não sabia como dizer “fofolete” em inglês. A ignorância me convenceu a não temperar. E assim ficamos por toda a noite. E pelas noites e dias seguintes. Web meetings.

Graças a Deus - ao capeta ou a Monique -, web bolos são mais difíceis de acontecer. Recebo e-mails em dias chuvosos e Mike pode acariciar o gato solitário enquanto admira minha cara de sono na web cam. E para as demais necessidades... Você já deve ter ouvido falar de alternativas bem criativas, não é?

6 comentários:

Kah Lessa disse...

A gente se completa. =D Adoro seus textos sarcásticos e enormes. rs

(e nao que seja tudo real, mas eu sempre comentei sobre os remédios importados...rs)

Anônimo disse...

Belo, o texto. Bela, a autora. Bela, a vingança. Vai ter filme? Se tiver, me chama, sou a cara desse Mike...

Anônimo disse...

Adoro.....kkkkkkk

Anônimo disse...

quero ser o "fofolete"!

Anônimo disse...

Amo os textos desta garota, desde sua mais tenra idade, o tempo só fez deixá-los mais irônicos e inteligentes... e divertidos....

maN bOwerline disse...

kkk,A-M-E-I!Muito bom mesmo.Boa noite!

http://secretomundomeu.blogspot.com/

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