sexta-feira, 14 de maio de 2010

Espetáculo

“Cento e vinte e cinco dias”, repetia em sussurros, enquanto ouvia Chopin. Sim, ela os contava. Um por um. E agora, deitada no quarto escuro, lembrava-se da sensação que tinha toda vez que ele estava à porta. Sempre às sextas, no mesmo horário. Pontualmente, de forma sincronizada com o tocar dos dedos dele na campainha, o coração dela ensaiava um disparar -tal como o ritmo que agora acelerava no concerto do pianista que ouvia. Ele era o que Mia ansiava durante toda a semana. E ao fechar os olhos, ela podia sentir como era tê-lo por perto.

Arrumava o cabelo no espelho do quarto, descia as escadas em tempo recorde e abria a porta esperando ser beijada. Ainda tinha dois segundos para sentir o perfume, antes dos lábios se tocarem. Quando se uniam, não podia pensar em mais nada. O corpo repetia aquela coreografia excitante: a língua deslisava sobre a dele (e por baixo, e pelos cantos...), as borboletas se agitavam no estômago, os pelos acordavam e o cérebro controlava os pés – se não os forçasse contra o chão, sentia que se desprenderiam e ela flutuaria, escapando daquele beijo. E só o que ela queria, antes e agora, era permanecer nele. Fazer parte daquela ópera de desejo.

Sem ele não havia espetáculo. Mia sentia-se em um teatro vazio, enquanto as notas que saiam do piano, como eternas namoradas, encaixavam-se perfeitamente para compor a melodia que a perturbava. Reconhecia a sensibilidade e genialidade de Chopin. Mas sabia que incomparável mesmo era aquele som da campainha, que há cento e vinte e cinco dias não era regido pelo maestro da orquestra que ela mais gostava.

4 comentários:

Jurema disse...

Ai, amiga. Lindo, minha Martha Medeiros (mas não clichê como a original). Adoro ouvir esta orquestra. Tenso qual ela pára de tocar. Amei...inspiração, neste blog, quando vem pra uma vem pra outra. =)

Cadinho RoCo disse...

Cento e vinte e cinco dias é tempo respeitável.
Cadinho RoCo

maN bOwerline disse...

Amei,amei.Adorei o jeito como foi escrito!
[Também acho estranho,mas sexo ainda é tabu,sim.Se não fosse nãpo haveria preconceitos contra mulheres,homessexuais,pessoas que trabalham com sexo e por aí vai...]
Boa noite!

maN bOwerline disse...

Amei!

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